Quando eu achava que os acontecimentos da vida não poderiam me abalar mais, eis que recebo a notícia de que serei tia-avó.
Recém fiz 30 anos, um número que já te traz uma carga psicológica, que é reforçada pela sociedade, de que você está velha, que deveria ter tudo o que gerações passadas tinham, que deveria seguir o "movimento natural" do ser humano e virar uma esposa e mãe, e todas essas baboseiras que minha geração e a seguinte já entenderam que não faz sentido nenhum (ainda bem), mas que mesmo assim ainda incomoda muito.
Ter filho, hoje sei, que além de uma estabilidade financeira, requer muito do meu tempo e requer muito do meu psicológico e este, por sua vez, anda mais desgastado que as solas dos meus sapatos. Viver nesse país nas condições que vem se encontrando nessa última década (1/3 da minha vida) é de verdade desgastante, não há uma pessoa intelectual que eu conheça que não está afetada pelas diversas atrocidades e injustiças que se intensificaram nos últimos anos. Viver num lugar onde a gasolina está mais barata que o leite, onde sua hora de trabalho não vale nem o que você come, é humilhante. Todo dia eu acordo com a vontade de realmente sair dessa bolha e tentar algo novo, tentar algo novo fora daqui e conhecer coisas novas, ambientes novos, culturas e etc (passar raiva em outro lugar) onde tenham coisas novas para eu me entreter...mas enquanto isso não acontece, eu tento fortemente aderir ao romanticizing your life, que pelo menos me faz me apaixonar por momentinhos do dia a dia e fazer deles melhores, mesmo com todos os problemas que nos rodeiam.
Um acontecimento.
Sim, como disse anteriormente, hoje não sou mais a tia Chrys, sou a tia-avó Chrys para um serzinho que está a caminho. As insônias com essa notícia me fizeram buscar sobre os novos dados de gravidez na adolescência e é sempre chocante ver a porcentagem desse problema que ainda não fomos capazes de superar (e parece que só piora em determinados períodos históricos).
Em um intervalo de dias fui bombardeada pela notícia da criança de 10 anos que foi abusada sexualmente e teve seu direito de aborto negado, mesmo sabendo-se dos riscos físicos e psicológicos da menina; e recebi a notícia de que meu sobrinho, que recém completou 17 anos, iria se tornar pai (não por escolha obviamente).
Tantas coisas se passaram pela minha cabeça ao receber essa notícia, entre elas o meu próprio papel como tia, que orgulhosamente digo que cumpri. Informei aos meus dois sobrinhos através de um grupo de whatsapp (senti que seria menos desconfortável) temas relacionados a doenças sexuais, gravidez e etc. Na época, ambos tinham 14 anos e eu já queria introduzir esse tema para que eles ficassem familiarizados e se prevenissem. Infelizmente nem tudo é como a gente idealiza, não é mesmo?! E aí está, dois adolescentes que vão infelizmente pular uma fase importante de suas vidas, para criar uma outra. A sorte deles é que a família de ambos está disponível para auxiliar, mas nem todas as gestantes juvenis passam por esse acompanhamento e acolhimento. Muitas são expulsas, os meninos fingem demência e não assumem a responsabilidade ou também os pais não tem tempo ou condições de oferecer qualquer auxílio. É realmente um assunto complexo e que deveria ser amplamente discutido socialmente.
OUTRO FATO
Assisti recentemente o filme L'événement (2022), um filme delicadíssimo sobre esse assunto e que se passa na década de 60, na França. Acompanha o percurso de uma estudante que deseja interromper uma gravidez não desejada. Os momentos de agonia que eu vivi assistindo esse filme eu não passei nem assistindo Hereditary (2018). Acabou o filme e parecia que eu tinha sentido tudo o que essa personagem sentiu. E apesar de ser uma história fictícia inspirada em um livro, nada do que acontece lá está distante da nossa realidade. Quantas meninas e mulheres morrem através de atos desesperados para interromper a gravidez? Por que ainda não temos direito ao nosso próprio corpo? No final, a maioria das mulheres devem arcar com toda a responsabilidade de criar uma criança já grande parte dos homens simplesmente fogem. Nós não temos pra onde fugir, não temos escolha ALGUMA, nem mesmo quando somos abusadas!
Pois é, e em meio a todo esse assunto de gravidez indesejada que a estatística dos 57% bateu na porta da minha família. Quando me perguntam se eu quero ser mãe eu costumo responder "pra que? tenho 5 sobrinhos!" agora posso dizer "pra que? tenho 5 sobrinhos e 1 sobrinho-neto" kkkkkrying
De qualquer maneira, ser humaninho que está por vir, você será muito bem vindo (ou bem vinda) 💕 E ao meu sobrinho e sua namorada, a tia sente muito (muito mesmo) pelos momentos que vcs vão passar cuidando e se responsabilizando por outra vida (que não é NADA fácil e que eu mesma venho fugindo há anos), e sinto muito pelos momentos que vão perder da adolescência (cabô roles), tentem manter a esperança sempre e aproveitar os momentinhos felizes que terão nessa nova fase. Para além do preconceito e julgamentos, o apoio familiar deve ser essencial, e a nossa está aqui, para dar o suporte necessário e encorajá-los a seguir o melhor caminho possível daqui pra frente, vocês não estão sozinhos.
----------------------
PARA OS QUE DESEJAM SE INFORMAR SOBRE O TEMA ABORTO, RECOMENDO O DOCUMENTÁRIO ABAIXO QUE É ÓTIMO, ATÉ FALA COMO O NÚMERO DE ABORTOS DIMINUIU NOS PAÍSES ONDE O MESMO FOI LEGALIZADO.
Legalizar é ter controle, ter bases, oferecer suporte psicológico e prover conhecimento à população.