Chá e poesia #03 - Florbela Espanca




Florbela Espanca é daquelas almas que parecem conversar diretamente com a gente através das palavras. Nascida em 1894, em Vila Viçosa, Portugal, ela viveu uma vida cheia de emoções e sentimentos intensos, e colocou tudo isso em seus poemas. Ela explora temas como o amor, a saudade, a dor e a busca que todo mundo tem por algo maior, algo que preencha o coração. É impossível não se sentir tocado por alguma de suas criações, por traduzirem muito bem coisas que sentimos e muitas vezes não entendemos.

No dia de seu aniversário, com apenas 36 anos, Florbela deixou este mundo, mas não sem antes nos presentear com um legado imenso. Ela era intensa, à frente do seu tempo (inclusive uma das primeira mulheres a frequentar uma faculdade em Portugal), e não tinha medo de se expor, de expor o que sentia de maneira crua e verdadeira, o que só deixa seu trabalho ainda mais autêntico. Ler Florbela é como abrir o coração e encontrar ali um eco de tudo o que já sentimos. Volta e meia quando a dor ou um vazio me atingem, é em seus versos que encontro um abraço na alma, um reflexo das lágrimas de alguém sensível que viveu intensamente tudo.

EU
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada...a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ver...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!


A VIDA
É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés d'alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

Todos somos no mundo “Pedro Sem”,
Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo donde vem!

A mais nobre ilusão morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida...

Amar-te a vida inteira eu não podia...
A gente esquece sempre o bem dum dia.
Que queres, ó meu Amor, se é isto a Vida!...

ESQUECIMENTO
Esse de quem eu era e que era meu,
Que foi um sonho e foi realidade,
Que me vestiu a alma de saudade,
Para sempre de mim desapareceu.

Tudo em redor então escureceu,
E foi longínqua toda a claridade!
Ceguei... tateio sombras... que ansiedade!
Apalpo cinzas porque tudo ardeu!

Descem em mim poentes de Novembro...
A sombra dos meus olhos, a escurecer...
Veste de roxo e negro os crisântemos...

E desse que era meu já me não lembro...
Ah, a doce agonia de esquecer
A lembrar doidamente o que esquecemos!...


AMAR!
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...

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