A alma com fronteiras,
Que eu quero sentir tudo
De todas as maneiras.
Do alto de ter consciência
Contemplo a terra e o céu,
Olho-os com inocência:
Nada que vejo é meu.
Mas vejo tão atento
Tão neles me disperso
Que cada pensamento
Me torna já diverso.
Se as coisas são estilhaços
Do saber do universo,
Seja eu os meus pedaços,
Impreciso e diverso.
E se a própria alma vejo
Com outro olhar,
Pergunto se há ensejo
De por minha a julgar.
Ah. tanto como a terra
E o mar e o vasto céu,
Quem se crê próprio erra,
Sou vário e não sou meu.
Com outro olhar,
Pergunto se há ensejo
De por minha a julgar.
Ah. tanto como a terra
E o mar e o vasto céu,
Quem se crê próprio erra,
Sou vário e não sou meu.
Se quanto sinto é alheio
E de mim sou sentiente,
Como é que a alma veio
A conhecer-me como ente?
Assim eu me acomodo
Com o que Deus criou,
Deus tem diverso modo
Diversos modos sou.
Assim a Deus imito,
Que quando fez o que é
Tirou-lhe o infinito
E a unidade até.
Com o que Deus criou,
Deus tem diverso modo
Diversos modos sou.
Assim a Deus imito,
Que quando fez o que é
Tirou-lhe o infinito
E a unidade até.
24-8-1930
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AUTOPSICOGRAFIA
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
1-4-1931
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Não é só o que esquecemos.
Vamos, remando, sob ramos
Do rio, assentes nos remos;
E uma visão mais remota
Que as margens e o arvoredo
Torce sem querer a rota
Que se seguia em segredo.
Cada rio tem dois rios,
Por um íamos remando
Sem atenção nem desvios,
Contentes de ir avançando.
Mas quando tristes e quedos,
Íamos remando a fio,
Sentimos que os arvoredos
Cobriam um outro rio.
26-7-1934